Entrevista | Altamiro da Costa Pereira

Diretor da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP).

 

O diretor da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), Altamiro da Costa Pereira é uma figura central na criação da RISE-Health, a maior unidade de investigação do país e tem sido uma referência na integração entre investigação científica, inovação tecnológica e formação médica.

Licenciado em Medicina pela FMUP, iniciou a carreira académica em 1985 na área da Epidemiologia e Saúde Pública, ao mesmo tempo que frequentava o internato em Pediatria no Hospital de São João. Realizou pós-graduações em instituições internacionais como as Universidades Johns Hopkins (EUA), McGill (Canadá) e Nijmegen (Holanda), e obteve o doutoramento na Universidade de Dundee (Reino Unido) em 1993, realizando provas de agregação na FMUP, em 1999.

Com uma carreira dedicada à melhoria dos serviços de saúde e ao desenvolvimento de metodologias de investigação aplicadas à Medicina, é autor de centenas de publicações científicas e tem colaborado com múltiplas instituições nacionais e internacionais. O seu percurso combina uma forte vocação científica com um compromisso contínuo com a modernização da educação médica e da investigação em Portugal.

 

Licenciou-se em Medicina pela FMUP em 1983. O que o levou a escolher Medicina como área de formação? Foi uma decisão premeditada desde cedo ou resultado de outras influências?

Não foi algo premeditado. Eu tive dificuldades em saber o que queria seguir. Optei por Medicina porque achei que era uma área interessante e com muitas saídas profissionais. Estava muito indeciso entre a área científica e a área artística, mais ligada à arquitetura, mas sempre considerei que o importante não é necessariamente aquilo que se escolhe, é aquilo que nós fazemos com as nossas escolhas. Portanto, o importante é fazer-se alguma coisa, e ir fazendo isso com gosto, com vontade, de nos divertirmos, acharmos interessante aquilo que fazemos.

Iniciei a minha carreira na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) na área da Farmacologia, com o professor Walter Oswald, tendo passado depois para a Higiene e Medicina Social, mais tarde conhecida como Epidemiologia e Saúde Pública. Quando estava a fazer o internato em Pediatria e a trabalhar num projeto europeu de Epidemiologia Perinatal, fui fazer  um doutoramento na Escócia, uma área que me interessava: a Epidemiologia da asma, mas o que me interessava verdadeiramente no doutoramento era aprender métodos de investigação epidemiológica e de investigação clínica.

Quando regressei, integrei e fui dirigir o Departamento de Biomatemática, área que – na altura – não estava muito desenvolvida, mas que para mim era extremamente importante e que, juntamente com as áreas de Bioestatística, Informática Médica, Métodos de Investigação Clínica e Epidemiológica, deram origem ao atual MEDCIDS – Departamento Medicina da Comunidade, Informação e Decisão em Saúde.

 

Como surgiu a investigação na sua vida?

A investigação na minha vida surgiu quando eu era menino. Menino, porque, tal como muitas crianças perguntava, muitas vezes, “porquê?”. A investigação para mim é uma coisa natural. Eu, por exemplo, interesso-me muito por arte e também investigo muito sobre arte, os objetos artísticos e seu enquadramento histórico e cultural. Na minha visão, temos de ser nós a procurar respostas, mas muitas vezes, quando investigamos, em vez de respostas, encontramos mais perguntas.

Recentemente, fiquei até muito satisfeito com o facto de vários dos docentes/investigadores que doutorei e ajudei a formar, integrarem a mais recente atualização da  ‘World’s Top 2% Scientists list’. Isto é algo que me dá muito gosto, uma vez que o trajeto que tive não foi uma decisão de eu próprio fazer uma carreira de investigação, mas sim de eu criar ou ajudar a criar condições para que outros pudessem fazer uma carreira de investigação.

 

A criação da UID RISE-Health marcou a fusão de várias unidades de investigação numa única estrutura. O que motivou esta união e que objetivos estratégicos estiveram na base desta decisão?

A fusão destas unidades de investigação, designadamente o CINTESIS e a UnIC, deu origem a algo que já perseguia desde a altura em que fui subdiretor da FMUP, no início dos anos 2000. Ambicionava que a Faculdade de Medicina da Universidade do Porto tivesse uma unidade de investigação que pudesse equilibrar e complementar o que já se fazia noutras entidades no Porto e em Portugal, mas estavam centradas nas áreas mais básicas de Biomedicina. Hoje, reconhece-se que existem outras áreas que são imprescindíveis para os cuidados de saúde, como a Investigação Clínica, os Sistemas de Informação ou a Gestão de Saúde.

A criação da RISE-Health é algo que faz sentido a nível estratégico para a FMUP, a Universidade do Porto, a academia em geral e a ULS do norte do país e que, simultaneamente, abre portas a muitos novos investigadores, em especial estudantes de doutoramento. É fundamental termos um ecossistema de investigação em saúde capaz de florescer e criar novas ideias e, sobretudo, novos caminhos.

 

A RISE-Health garantiu recentemente 12,4 milhões de euros no concurso de financiamento da FCT. Que impacto prático terá este apoio no trabalho das equipas de investigação nos próximos anos?

Eu espero que tenha bastante, mas tudo depende de como esta verba vai ser utilizada. Dada a  abrangência geográfica da RISE pode ser uma oportunidade estupenda para estabelecer pontes entre universidades, sobretudo no norte do país, mas também irá levantar problemas e desafios. Por exemplo, neste momento estamos em processo de aquisição de uma ressonância magnética, mas é também necessário saber onde a vamos colocar de forma a garantir que todos os investigadores da RISE-Health possam ter acesso à mesma.

 

O professor Altamiro da Costa Pereira é uma das figuras fundadoras da RISE-Health, tendo sido, desde o início, um dos maiores defensores do potencial desta unidade de investigação. Na sua perspetiva, que impacto poderá a RISE-Health ter na investigação e no setor da saúde nacionais?

Espero que tenha um grande impacto. Muitos dos nossos investigadores têm uma ligação à ULS São João e, portanto, isso pode ter um impacto positivo, obviamente, porque a investigação, particularmente a investigação clínica, tem um impacto positivo na prestação de cuidados clínicos. Os melhores prestadores de cuidados são sempre aqueles que, de facto, também fazem a melhor investigação.

Se conseguirmos impulsionar a investigação e criar um sentimento de pertença e de interação entre investigadores de todas as instituições que integram esta unidade de investigação, colaborando num vasto ecossistema e construindo uma espécie de cérebro coletivo, estou seguro de que chegaremos a bom porto, alcançando resultados que, de outro modo, não seriam possíveis.

O facto da RISE-Health agregar instituições de Ensino Superior, escolas médicas, de enfermagem, etc., pode aproximar estas entidades e articular médicos, enfermeiros, biólogos e engenheiros e vir melhorar áreas menos desenvolvidas ou mais esquecidas de modo a podermos competir por mais financiamentos nacionais e estrangeiros e a serem obtidos maiores ganhos em saúde.